Filho de operária e morador de Maranguape, na Grande Fortaleza, o estudante de 18 anos nunca saiu do próprio estado
Uma notificação no celular, neste mês, mudou a rota da vida do estudante cearense Márlisson Emanuel Barbosa, de 18 anos. Foi pela mensagem de um amigo que ele descobriu que as 10 horas diárias de estudo levaram a um resultado que sequer imaginava: a aprovação em Medicina na Universidade de São Paulo (USP), uma das mais prestigiadas do mundo.
Já na segunda-feira (27), o resultado do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) trouxe outro êxito: o jovem de Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza, foi aprovado no curso tão almejado também na Universidade Federal do Ceará (UFC), instituição que tinha como meta antes de fazer acontecer “o impossível”.
O sonho inicial de Márlisson, aluno da Escola Estadual de Educação Profissional Salaberga Torquato Gomes de Matos, em Maranguape, era percorrer diariamente o campus de Medicina da UFC, após o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Mas o desempenho no exame o levou além.
“Minha nota foi tão boa, que coloquei a opção na USP só pra ver o que acontecia. Pensei ‘se passar eu vou’, mas achava que era algo muito distante da minha realidade. No dia 18 (de janeiro), cheguei em casa e tinha duas mensagens de amigos dizendo que eu passei”, recorda sobre a vaga conquistada com base na nota do Enem. A USP não utiliza o Sisu como meio de seleção, mas disponibiliza vagas para quem fez o Enem. Das 23 para o País, uma ficou com Márlisson.
Bastou ler a confirmação para ficar fora de órbita. “Fiquei sem chão, sem entender que eu passei em Medicina na maior universidade da América Latina”, reflete. Márlisson conhece a USP apenas por fotos e por materiais publicados na internet. A primeira viagem de avião dele será para ingressar na instituição como estudante.
É nesse ponto, porém, que o jovem encontra um novo desafio: custear a mudança e a permanência em São Paulo. O maranguapense vive na cidade a 27 km de Fortaleza com a mãe, e os dois se mantêm com um salário mínimo.
“Estou fazendo uma vaquinha no meu Instagram pra conseguir me estabilizar em São Paulo, porque é muito incerto pra mim viver numa região onde nunca estive. Até hoje nunca saí do Ceará, por isso estou tão ansioso com essa experiência”, frisa. Em visita ao jovem neste semana, o governador Elmano de Freitas garantiu custear as passagens aéreas de Márlisson e da mãe a São Paulo, segundo o estudante.
O garoto já se inscreveu para solicitar uma vaga em moradia universitária e, enquanto aguarda o resultado, articula estadia com um parente que vive na capital paulista. Com a recepção universitária prevista para o dia 24 de fevereiro, o sentimento de saudade já chegou na casa de Márlisson.
“Minha mãe tava bem receosa sobre eu ir pra outro estado, mas agora ela abraçou a ideia e quer que eu vá, me apoiou e achei isso muito legal da parte dela”, conclui.
Preparação
Os dois últimos anos foram de maratonas de estudos para Márlisson, quando decidiu ir além “do que a escola pedia”, como reflete. “Percebi que se eu tivesse essa ideia (de estudar só o que a escola exigia), talvez não passasse no curso que eu queria. Comecei a ter uma rotina mais regrada. Todo tempo que eu tinha livre eu estudava, qualquer momento que tivesse livre. Estudava por 10 horas por dia no mínimo”, lembra.
Para manter esse nível de dedicação, ler e desenhar surgiram no dia a dia como válvula de escape. “Depois de um tempo, eu me acostumei com a ideia de estudar muito, comecei a gostar e ver isso como uma coisa prazerosa”, pondera.
Os estudos, inclusive, aconteceram em paralelo ao curso técnico integrado de enfermagem. “A escola foi importante pra eu decidir que queria Medicina, acabei tendo essa relação maior com a área da saúde”, destaca o estudante. Nas escolas profissionalizantes, os alunos cursam o ensino regular e o técnico integrados.
Cuidar do outro
Márlisson decidiu testar o interesse pela área da saúde quando estava perto de terminar o Ensino Fundamental. Por isso, decidiu entrar no ensino profissionalizante, no qual os alunos têm a oportunidade, inclusive, de estagiar.
“Como estamos em postos de saúde e hospitais, podemos até observar cirurgias, algumas vezes, e eu comecei a me ver na área de Medicina. Isso me ajudou demais a realmente decidir que com certeza a Saúde”, completa sobre a experiência.
No estágio, o futuro médico já passou por setores diferentes de postos de saúde e hospitais, como parte da formação técnica. “A gente faz tudo o que um técnico de enfermagem faz, na parte de cuidado com o cidadão. Limpar, trocar um curativo, a parte maior de cuidado”, detalha.
“Eu gosto muito da profissão, gosto de cuidar do outro”, resume.
Fonte: Diário do Nordeste